Sara Ricciardi, criativa nascida em Benevento, cujo portfólio poético e eclético inclui tudo, desde produtos, performances e cenografias até hospitalidade e interiores de varejo, acredita que as casas devem apoiar os roteiros e personagens alternados de nossas vidas.
Duas coisas se destacam ao entrar no estúdio de Milão da designer, diretora de arte e professora de design social: a presença de uma extensa coleção de objetos bizarros e a ausência de paredes permanentes.
Substituindo as paredes estão um conjunto de cortinas e aberturas que transformam o espaço de trabalho de sua equipe em um palco adaptável para a criatividade dinâmica.
“Todo espaço deve responder às necessidades de seus ocupantes”, diz Sara.
“No meu estúdio, isso significa considerar os humores das múltiplas personalidades no trabalho”.
Qual é a sua definição de casa?
Sara: A casa é meu palco, o lugar onde posso mostrar minha personalidade ao redor. É o lugar onde coleciono partes da minha vida, o lugar onde me sinto mais confortável, mas também o lugar que ocasionalmente me confronta com cenários incômodos, que por sua vez me ajudam a manter um diálogo constante com o que me rodeia. Eu costumava ter medo de ficar sozinho em casa, mas quando comecei a me comunicar mais com meu ambiente doméstico, percebi que o lar também é uma entidade viva. Ele faz sugestões ao mesmo tempo em que reflete o humor em constante mudança dos ocupantes.
Como transformar uma casa em um lar?
Sara: Assim como você constrói relacionamentos com as pessoas. Dedicando seu tempo e energia, permitindo que seja absorvido por você e vice-versa. A casa responde ao espírito e investimento, tanto no sentido físico quanto no sentido mais fugaz da palavra, que você coloca nela e absorve as memórias que você atribui a ela. Muitas pessoas evitam investir tempo e recursos em seus espaços domésticos e evitam fazer escolhas porque têm medo de se cansar de certos aspectos a longo prazo ou de não se encaixarem mais à medida que evoluem como pessoa. Em resposta, algumas pessoas se concentram em criar zonas de conforto nas quais elas terão o que eu descreveria como sentimentos ‘médios’, para se sentirem seguras. Isso é compreensível, mas não fique muito seguro ou cauteloso com mudanças futuras. Crie ambientes que incorporem você e proporcionem momentos de força no aqui e agora. Como designer, experimentei que fazer isso por si mesmo pode ser mais complexo do que decidir pelos outros. No entanto, é uma jornada incrível e eu encorajo todos a fazerem isso.
Se, em vez disso, você decidir comprar seu caminho para um lugar definido por outra pessoa, sua narrativa é pré-escrita. Ao escolher um ambiente tão predefinido, você também entra em uma determinada comunidade e adota o estilo de vida e o status que vem com ela, de certa forma. Isso pode ser uma coisa muito poderosa, mas as pessoas já têm tantas necessidades (às vezes contraditórias), obsessões e personalidades dentro de si que podem ser refletidas em um ambiente doméstico. É importante que seus arredores alimentem todos eles. Diferentes aspectos de sua personalidade precisarão ser estimulados em momentos diferentes. E, além de carregar o que chamo de ‘bairro de personalidades’ dentro de você, você também faz parte de várias comunidades. Pense em uma família, por exemplo. A casa precisa atender às necessidades de todas essas pessoas e membros da comunidade.
O que é preciso para conseguir isso?
Sara: Quando me perguntei como construímos nossas casas, comecei a pensar na definição de vida ‘normal’. Em latim, o normal significa ‘perpendicular, quadrado, com ângulos retos’. Linhas retas não existem na natureza, que é vista como uma força poderosa e imprevisível. Assim, queremos alcançar a ‘normalidade’ nos ambientes que nos cercam, a fim de nos sentirmos seguros e diminuir a tensão em nosso cotidiano. Portanto, nossas casas são principalmente esquemáticas e geométricas. Mas como podemos garantir que nossas casas não fiquem muito rígidas e nos façam sentir presos? Como os ambientes de vida podem se alternar, ser modulares e se adaptar a todas as possíveis cenas diferentes no roteiro de nossas vidas? Como os nossos espaços podem assumir um papel diferente a cada (momento do) dia? Para responder a todas essas perguntas, prefiro olhar para a casa como um palco: um teatro confortável que pode se transformar tanto em santuário quanto em uma discoteca, dependendo das suas necessidades no momento. Trata-se de abraçar a leveza de explorar seus espaços e aumentar a conscientização e a aceitação de sua capacidade de se transformar de acordo com suas necessidades.
Desde a pandemia, nossos ambientes domésticos tiveram que mudar as funcionalidades de inúmeras maneiras. Nossas casas atuais estão equipadas para cumprir todos esses novos papéis? Ou os arquitetos e designers precisam mudar completamente a maneira como pensam sobre as casas?
Sara: Definitivamente, designers e arquitetos precisam responder aos desafios vivos de nossos tempos atuais. Está se tornando cada vez mais importante para nossas casas lidar com as diferentes ações que agora são praticadas dentro delas e equilibrar inteligentemente os espaços comunitários e pessoais. A crise levou-nos, ou mais positivamente: deu-nos a oportunidade a encontrar um novo equilíbrio, a reembaralhar as nossas cartas.
Fonte: Frame I Roberto Thiemann
Tradução I Edição: pauloguidalli.com.br
Imagem: Antonio Campanella
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