Por Sandro Guidalli
Este mês, a quinquagésima nona edição do Salone del Mobile não acontecerá em Milão.
Cancelado como resultado do Covid-19, ela retornará para a sexagésima edição de aniversário somente em abril de 2021.
Mas como esta feira anual se transformou no evento central de fabricantes de mobiliário e designers do mundo todo?
O primeiro Saloni del Mobile abriu no Fiera Milano em 24 de setembro de 1961.
Se formo considerar a feira no contexto da recuperação da Itália pós-guerra, e o chamado “miracolo econômico”, este evento já vinha sendo planejado há mais de 20 anos.
No rescaldo da Segunda Guerra Mundial, a Itália se encontrava em ruínas com muitas partes do país ocupadas por forças estrangeiras. Durante a guerra, a Itália inteira de aliou a Alemanha e ao governo fascista de Benito Mussolini que foi derrubado em 1943.
Em 1945, partidos anti-fascitas formaram um novo governo.
Em 1946, um referendo resultou na formação da República italiana, depondo o monarca, o Rei Umberto II.
Pelo fato da Itália ter uma posição geograficamente central, e na sequência da Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética, os americanos com plano de ajuda Marshall, identificou o país como um alvo a ser defendido, e contribui assim, com mais 1 bilhão de 500 milhões de dólares para a reconstrução da industrial italiana.
Esta ajuda financeira sem precedentes, em combinação com novas formas de trabalho e com uma população largamente se realojando em novos prédios – modernos blocos de apartamentos – durante a reconstrução do pós-guerra, conduziu um aumento significativo do design e da arquitetura.
Fabricantes italianos em Brianza, região norte de Milão, eram tradicionalmente focados em produção de móveis. Com o novo ímpeto financeiro, tanto quanto um florescente mercado de produtos para interiores, devido ao programa de realojamento, colocou estes fabricantes numa situação bem posicionada para aquele momento.
Simultaneamente, arquitetos como Achille e Pier Giacomo Castiglioni, Vico Magistretti, Marco Zanuso e Ettore Sottsass, emergiam como recentes graduados – todos procurando trabalho e todos interessados no crescimento do design industrial como uma fonte potencial de crescimento seguro.
A promessa de um trabalho regular era vital, como Sotssas um vez lembrou que, quebrado, ele poderia trabalhar a noite toda para criar uma arte para um anúncio da Vermouth, para ganhar poucas liras, enquanto era consumido por profundo tédio.
A parceria entre indústria e emergentes talentos de designers provou o sucesso e uma combinação perfeita para dar forma a nova imagem da Itália.
Através das ideias de uma nova geração de designers e guiados pela atualização da indústria manufatureira, a Itália esqueceu os galpões do passado recente e focou em um brilhante e moderno futuro.
Estas novas empresas buscaram distância do passado fascista adotando estética diferente e os arquitetos designers estavam prontos para promover estas mudanças.
Empresas como Cassina, Olivetti, Artflex e Kartell se expandiram e cresceram naquele momento italiano histórico. Eles inovaram e desenvolveram técnicas de manufatura da era pós-guerra, utilizando novos materiais como o foam e o plástico para obter efeitos desejados.
A Kartell empregou os novos plásticos para criar impressionantes desenhos que criavam objetos cotidianos, como um balde, cuja aparência remetia a um trabalho de arte.
Neste contexto, os designers prosperavam trabalhando para diversos fabricantes, enquanto outros seguiam o caminho tradicional, trabalhando como empregados para uma única empresa.
Esta mudança de prática levou para modelos de interação entre designers e fabricantes, e que é utilizado até hoje.
O primeiro evento dedicado a promover este período do design e da arquitetura italiana para atrair um público mais amplo da mídia, indústria e consumidores aconteceu na Milano Triennale.
Apesar deste tipo de evento ter sido inventado pelo antigo regime fascista, – a primeira Triennale foi inaugurada em 1923 – esta nova exposição teve, mesmo assim, um papel chave em promover uma imagem otimista da Itália perante o mundo.
As Trienalles aconteceram em 1947, 1951, 1954 e 1957, criando fóruns para estimular debates em torno do design e da arquitetura e seus significados para a sociedade.
Contudo, enquanto as Trienalles promoviam a Itália como nação com foco no design e na arquitetura, estes eventos não eram comerciais.
Milão seduzia mais pela mistura do debate intelectual e dos desenhos sofisticados, que aconteciam numa cidade única, e menos como resposta comercial.
Seguindo a ascensão rápida e positiva da economia doméstica italiana nos primeiros 10 anos após a guerra, se tornava claro que o mercado teria que se expandir internacionalmente para sustentar mais crescimento.
Em 1960, a FederlegnoArredo, a associação de fabricantes de mobiliário, teve a ideia de criar um local exclusivo de feira para vender e promover o mobiliário italiano, convidando clientes nacionais e internacionais para único local em um momento específico.
Em 25 de fevereiro de 1961, foi realizada a primeira conferência de imprensa para promover o Salone Del Mobile.
Em setembro daquele ano, o primeiro Salone foi aberto por Emilio Colombo, ministro da indústria da Itália, na Fiera Milano, um amontoado de barracões, na Campionaria.
A feira destacou 328 exibidores espalhados em 11 mil metros quadrados de espaço expositivo, mostrando a importância do design italiano para a economia.
“O Salone del Mobile começa em Milão”, anunciava e noticiava a imprensa na abertura da feira. Uma feira de negócios mostrando absolutamente tudo feito para belas e confortáveis casas.
Nos dias de hoje, o Salone destaca em torno de 2.500 expositores através de 230 mil metros quadrados de espaços expositivos.
Como a feira anual cresceu em tamanho, também cresceu as exportações do mobiliário italiano.
De 1960 até 1964, foi estimado um crescimento internacional do mercado do design italiano em 174 por cento, servindo como um claro sinal do sucesso comercial da feira.
Isto é, poucos eventos globais conseguiram capitalizar tão bem aquele momento.
A partir de 1967, exibidores internacionais foram convidados a participar da feira, que se transformou em Salone Internazionale del Mobile.
“A Itália é um ecosistema único de design, arquitetura, educação e manufatura que permiti sustentar uma poderosa indústria global, tanto quanto uma estrutura que aceita críticas desta mesma indústria”, dizem ainda seus antigos fundadores.
O Salone del Mobile deve ser visto como uma parte fundamental deste movimento de inovação, de novos formatos e de mudanças. E também como um exemplo daquelas indústrias que precisaram ser reinventadas, por elas mesmas, após a guerra.
Eliana says
Excelente matéria sobre a história do Salone! Parabéns!
Suellen Almirante de Lima says
Adorei a opção de áudio e leitura. Costumo trabalhar ouvindo informações e conteúdo de qualidade. Parabéns